Livro vencedor do Prêmio Argos 2017 de Literatura Fantástica na categoria “melhor romance”. Realmente, acredito ter sido merecido. É um livro muito bem escrito, com personagens interessante, boa trama e que traz diversas reflexões ao leitor em temas como liberdade de escolha e seus limites, privacidade, identidade, gênero, ceticismo e tradição como obstáculo à evolução. O romance tem conexões com o livro Dezoito de Escorpião (que já resenhamos aqui), mas um livro não requer a leitura do outro.

Prepare-se para conhecer a história de um mundo alienígena que confere uma boa sensação de estranhamento, ao mesmo tempo que discute temas que remetem a problemas sociais de nossa civilização e de nossa cultura.

O Esplendor se passa em Aphriké,  um mundo localizado num sistema estrelar com seis sóis em suas proximidades. Um mundo habitado por seres de pele escura, altos, fortes, capazes de se alimentar da luz solar, mas presos a um sistema político totalitário que os torna quase incapazes de pensar e ver além de suas próprios preconceitos e tradições.

Neste mundo, nunca houve a noite, pois sempre há ao menos um sol nos céus, sendo assim, é um mundo que nunca viu estrelas cujos habitantes não possuem elementos para imaginar um universo infinito com bilhões e bilhões de astros.

Nesse contexto, vamos acompanhar a narrativa de uma historiadora, começando há 30 anos antes do fim do mundo. Veremos os últimos dias dessa civilização, seu funcionamento e desvendaremos seus mistérios. Essa historiadora utiliza uma tecnologia capaz de coletar a matriz de pensamentos de vários habitantes do mundo a fim de construir seu relato. Permitindo ao leitor explorar múltiplos pontos de vista.

A civilização de Aphriké tem o dom natural da telepatia e ela está presente em todas as relações, de forma que a própria privacidade de pensamentos é algo condenável. É uma sociedade que privilegia o coletivo em detrimento do indivíduo. O autor constrói um um misto de utopia e distopia socialista em que vemos, ao mesmo tempo, alguns aspectos interessantes de uma sociedade realmente focada no bem estar coletivo, mas não sem algumas chagas que tal sistema político acaba causando em indivíduos que não se enquadram em suas tradições ou ditames.

É uma obra que discute o confronto das tradições com a força natural do progresso e evolução. Apesar de viverem todos num ambiente com mais liberdades de cunho sexual, no qual o sexo pode ocorrer livremente entre quaisquer indivíduos e até em público, ter tanta liberdade sexual não quer dizer que todos os indivíduos estarão bem adaptados à esta realidade.

A sociedade se organiza em castas de acordo com a função de cada indivíduo nela, assim as pessoas recebem o nome da casta seguido de um número. Cada indivíduo aceita e abraça seu papel a ser desempenhado, assim como o dever de prover a sociedade com filhos, etc.

Na contramão de algumas liberdades, aparece a figura da polícia do pensamento, um grupo seleto de monges treinados em disciplinas mentais e encarregados de restabelecer a ordem às psicoesferas das cidades, caso algum indivíduo perturbe a coletividade.

Nesse cenário, quase totalitarista, existe a figura dos cultistas de Kalgash que habitam as ruínas de ancestrais, longe do restante da civilização. A existência dos mesmos é uma ameaça às verdades inquestionáveis que formam os pilares dessa civilização.

Entre os habitantes de Iridescente, a capital, teremos o nascimento de um indivíduo anômalo cujo destino está intimamente ligado a desvendar os segredos guardados pela civilização e que poderão vir a ser a única esperança deste povo frente a um terrível evento vindouro.

O leitor precisa estar atento para permitir-se mergulhar na trama e superar o estranhamento que o primeiro terço da narrativa podem trazer. Há muitas informações a serem absorvidas antes que fiquemos à vontade para embarcar na trama.

Aqueles que vencerem essa possível barreira, serão recompensados com uma trama inteligente e um desfecho, de algum modo, surpreendente. Mesmo alienígenas em seu modo de existir e pensar, há espaço para identificação do leitor com alguns personagens e o desejo de descobrir o que o destino lhes reserva. Certamente é um livro corajoso, que explora temas instigantes e que vale a leitura.

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4.5 / 5 stars