Sinopse
Esta é a história de desertos que avançavam cobrindo cidades. A história de um mundo à beira da destruição. Da gente desse mundo, de sua alienação e da violenta guerra em que se perdeu.
Esta é a história de uma mulher que fazia curas e de sua amiga, que dirigia um bordel. E de como elas enfrentaram tudo isso. Também é a história do tigre e da menina. Mas para conhecer todas elas, você terá de aceitar o chamado para olhar o futuro. E mergulhar no abismo.
Se há algo que o leitor pode esperar deste livro é encontrar algum grau de surpresas ao longo da leitura.
Viajantes do Abismo, Editora Avec, 380 páginas, foi um dos 5 finalistas do prêmio Jabuti 2020.
Narra a saga de Elissa Till, uma curandeira que vai se vendo carregada de sua vida comum para se envolver com uma trama política nacional cujos desdobramentos têm consequências globais.
É um livro que mescla elementos de fantasia e ficção científica numa roupagem de steampunk. É também uma distopia pré-apocalíptica.
Por outro lado, e aqui começam as surpresas, é uma história dirigida/orientada à personagem. A história começa com a Elissa tendo que lidar com uma desilusão amorosa ao mesmo tempo em que questões políticas locais começam a delinear parte do pano de fundo da história. Ao elemento de conflito político, logo se soma a uma crise ecológica global que começa a dar sinais graves de que realmente é um assunto sério.
No sentido de ser dirigida pelas impressões e sentimentos da protagonista, o início da história segue um pouco sem rumo, até que eventos externos carregam a protagonista para sua atuação no contexto do conflito político e depois entrar numa busca de solução para o grave problema ecológico global.
Não é uma história que segue certas fórmulas que encontramos na maioria das histórias de fantasia ou FC e isso tem implicações positivas e negativas. Do lado positivo, temos algumas supresas e complicações que surgem ao longo da leitura. Do lado negativo, é possível perceber algumas incoerências entre a própria proposta de funcionamento do mundo fictício e a forma que a trama se desenvolve. Em alguns momentos, chegando a beirar a suspensão de descrença, aquela atitude que temos diante de uma obra de ficção de saber que é “faz de conta”, mas ainda assim se permitir acreditar na ficção em prol do divertimento, ou mesmo, de se identificar com personagens, situações e questões e querer saber o que vai acontecer.
Pois bem, do meio para o final, a trama vai se tornando mais interessante chegando a um desfecho satisfatório.
Outro aspecto que podemos analisar na obra é o seu lastro de brasilidade. Isso não chega a ser a questão mais importante considerando qualquer obra de ficção escrita por brasileiros. Uma boa história é sempre boa história, usando elementos da cultura brasileira ou não. Mas sabemos que muitos leitores buscam por isso. E neste quesito, Viajantes do Abismo cumpre bem a introdução de elementos regionais, como o coronelismo, população desassistida em relação ao estado, políticos desconectados das necessidades da população, viseira em relação a problemas ecológicos/climáticos, polarização na política, uso da linguagem para criar topônimos e termos fictícios dentro da sonoridade lusófona, etc.
É um texto ambicioso em relação à complexidade que dá à trama e relacionamento entre os personagens, envolvendo várias camadas: pessoal, política e ambiental, mas que, talvez pelo tamanho da obra, ou pela estratégia usada para estruturar e amarrar tantos elementos, termina deixando algumas pontas soltas. E deixar pontas soltas, não é necessariamente algo ruim. Nesse sentido, a autora usou o artifício de um segundo epílogo (cena pós-créditos) que funciona muito bem para fechar a história de uma forma bem mais satisfatória que o primeiro epílogo.
Não é uma obra perfeita ou “redondinha”, mas que certamente vale ser lida, especialmente pelos amantes da fantasia e FC que procuram livros que expressem suas questões dentro do referencial tupiniquim. Além do mais, talvez o principal ponto forte da obra, tenha sido a capacidade de introduzir na trama um conflito ambiental que nos faz pensar bastante no quanto nós mesmos como humanidade ficamos divididos por conflitos políticos “banais”, ou levados pelo escapismo, enquanto o futuro de nosso planeta está por um fio. Estamos também indo para o Abismo?