Artigo convidado. Autor VitorX do podcast X-Wars. Escute no Spotify ou Apple Podcasts.

Deadpool, o mercenário tagarela, teve um impacto profundo na cultura pop, revolucionando o gênero de super-heróis com seu humor irreverente, estilo narrativo metalinguístico e desrespeito às convenções tradicionais. Embora tenha sido introduzido pela Marvel como um personagem secundário, ele rapidamente se destacou por quebrar a quarta parede e interagir diretamente com o público, algo raramente visto nos quadrinhos. Antes mesmo de seu sucesso no cinema, Deadpool já havia conquistado uma legião de fãs fiéis, graças à sua personalidade subversiva, que o diferenciava dos heróis tradicionais.

Com os filmes estrelados por Ryan Reynolds, que capturaram perfeitamente a essência cômica e violenta do personagem, sua popularidade disparou ainda mais. Deadpool revitalizou o subgênero de super-heróis no cinema e ampliou o apelo das adaptações de quadrinhos para um público mais amplo, trazendo uma abordagem cínica e irreverente.


Deadpool é um produto dos quadrinhos violentos e sombrios dos anos 1990, época marcada por personagens com músculos superdesenvolvidos e armas gigantes. Criado em 1991 por Rob Liefeld e Fabian Nicieza na revista Novos Mutantes #98, inicialmente como um vilão, Deadpool foi contratado para matar Cable, então líder dos Novos Mutantes.

Rob Liefeld, que já havia criado vários personagens icônicos para a Marvel, como Cable, Dominó, Conflito e Shatterstar, conta que quando criança ele já queria ser quadrinista e andava com um caderno onde anotava todas as ideias que vinham a sua mente para criação personagens e quando começou a trabalhar na indústria de quadrinhos, sempre que precisava criar um novo personagem, ele consultava esse caderno em busca de ideias. Ele baseou o nome “Deadpool” em uma superstição de seus pais, relacionada a apostas sobre a sequência de mortes de pessoas famosas. Segundo essa superstição sempre que uma pessoa famosa morria dois outros iriam morrer a seguir e eles faziam apostas informais de quem seriam essas pessoas, a lista onde eram colocados os nomes era chamada de dead pool, ou lista da morte. O jovem Liefeld gostou de como soava o nome e o anotou em seu caderno.

Quando da época de sua criação na Marvel o raciocínio de seu criador foi de que como o personagem tinha dead no nome seu traje deveria ter a cor vermelha, então esboçou um macacão vermelho e preto, cheio de bolsos para guardar munição e em seguida uma máscara que cobria toda a cabeça com dois grandes olhos pretos, muito similar ao uniforme do Homem Aranha. Essa similaridade não foi ao acaso, Rob Liefeld disse que seus amigos Erik Larsen e Todd McFarlane, ambos desenhistas dos títulos do Teioso, tiravam sarro dele dizendo que era muito mais fácil desenhar o Homem Aranha que os personagens dos Novos Mutantes com os quais ele trabalhava. O Homem Aranha não foi inspiração só para a máscara do Deadpool, ele também era o heroi favorito do artista e o autor disse em entrevistas que queria resgatar o tom brincalhão e leve do Homem Aranha das décadas anteriores, onde ele lutava com os super vilões fazendo piadas e provocando seus adversários. O Homem Aranha dos anos 90, segundo ele, não era o mesmo personagem de tanto gostava, Peter Parker estava casado e deprimido, tinha perdido o tom leve e de comédia de suas histórias.

Primeira mini série do Deadpool.

Quando foi apresentar o personagem para a Marvel ele disse especificamente que Deadpool era o Homem Aranha com armas e espadas, e que a ideia principal era que ele fosse chato mesmo. Depois de aprovado o personagem, Liefeld levou para Fabian Nicieza os desenhos e a história, pois os dois trabalhavam juntos na revista Novos Mutantes. Quando Nicieza viu o Deadpool disse que o Liefeld havia desenhado o Deathstroke (Exterminador) da DC e batizou o personagem de Wade Winston Wilson por dois motivos, primeiro porque o Deathstroke se chamava Slade Wilson e segundo porque Stan Lee tinha criado o hábito de colocar nomes em seus personagens com as mesmas iniciais para lembrar mais fácil destes (Bruce Banner, Peter Parker, Sue Storm, Reed Richards e assim por diante). Outra coisa que Nicieza fez foi vincular a origem do Deadpool ao Programa Arma X que colocou adamantium no Wolverine. Na ideia inicial ele seria o Arma IX, um projeto fracassado de super soldado, porque segundo Nicieza, para chegar ao sucesso seriam necessários vários fracassos antes e Deadpool seria um deles. Antes de fazer um omelete temos que quebrar alguns ovos e Deadpool foi um desses ovos quebrados. No futuro do personagem, colocaram ele vinculado ao programa Arma X mas vindo depois do Wolverine, foi usado inclusive o fator de cura do Wolverine para criar o do Deadpool. Ele faz uma outra comparação também com o filme irmãos gêmeos, dizendo que se o Wolverine era o Arnold Schwarzenegger o Deadpool era o Danny DeVito.
Depois disso Deadpool precisava de uma voz e decidiram que ele teria um balonamento diferente porque ele poderia dizer o que ele quisesse, pra quem ele quisesse e da maneira que quisesse.

Enquanto todos os outros super herois usavam a fonte chamada Crazy Comics, a fonte usada para as falas do Deadpool era Spooky Tooth. Além disso, seus balões eram contornados de maneira diferente.

Depois que o Deadpool apareceu na revista a correspondência para a Marvel aumentou em 500% tamanho o sucesso do personagem. Cartas chegavam pedindo por mais participações do Deadpool nos Novos Mutantes ou para serem publicadas histórias solo do personagem. Logo a revista Novos Mutantes deu lugar ao lançamento da X-Force, visto que os personagens nela já não eram mais um grupo de adolescentes aprendendo a lidar com seus poderes e sim uma equipe de ação muito eficiente. Este título vendeu mais de cinco milhões de cópias e está entre os mais vendidos de todos os tempos até hoje. Em 1993, Deadpool teve a sua primeira minissérie publicada onde começou a fazer referências à cultura pop em geral, falando por exemplo, com os vilões que enfrentava, que eles eram mais fracos que o Ken da Barbie entre outras. Nessa minissérie foi introduzido o câncer do personagem, sua ligação com o programa Arma X e parte de seu passado.
Fabian Nicieza queria fazer outra minissérie do Deadpool mas a Marvel achou o plot muito deprimente, pois o câncer voltaria e o personagem estaria às portas da morte de novo. Com isso, Nicieza, que estava insatisfeito com a Casa das Ideias já por outros motivos, acabou saindo da editora e Mark Waid assumiu o personagem. A proposta de Waid era clara, para ele o Deadpool era o Pernalonga e ele iria escrevê- lo como tal. Violento e engraçado.

Essa segunda minissérie não teve muito sucesso e o personagem passou a fazer participações esporádicas nas revistas do universo Marvel.
Nessa época estava acontecendo a crise dos quadrinhos que causou a bolha e quase levou a Marvel à falência. Não era só o título do Deadpool que não vendia bem, eram vários. A Marvel antes vendia milhões de cópias de alguns personagens ou centenas de milagres e de repente passou a vender muito menos. Durante essa crise a Marvel trocava de editores constantemente tentando achar uma maneira de sair do buraco e um desses editores foi Matt Idelson que era fã do Deadpool. E ele quis trazer o personagem de volta e chamou Joe Kelly pra fazer uma mensal do Deadpool já deixando claro que não sabia por quanto tempo a revista duraria mas que o autor teria liberdade de fazer quase tudo que quisesse com o personagem. Joe Kelly na época não era famoso ainda, mas depois viria a se tornar um dos fundadores da empresa Man of Action, criadora de várias propriedades intelectuais famosas como o Ben 10 por exemplo. Na concepção de Kelly, Deadpool teria suas histórias mais focadas na comédia e menos na ação e para os leitores se interessarem por ele, Deadpool seria alguém que quer fazer o bem mas não consegue. Nas palavras do autor, Deadpool gostaria de fazer a coisa certa, mas ele é constitucionalmente incapaz disso. E quando finalmente consegue, o universo dá nele uma rasteira. Desenhado por Ed McGuinness a série foi um sucesso.


Nessa série também a quebra da quarta parede pelo personagem se torna uma constante, com Deadpool conversando com o leitor e ciente de que era um personagem de quadrinhos, o que foi desenvolvido após a saída de Kelly por outro autor importante a frente do personagem, Christopher Priest. Ele fez uma das melhores histórias do Deadpool onde o mercenário tagarela volta pro passado e tem uma aventura numa revista do Homem Aranha do ano de 1967.

Em 2000, Gail Simone assumiu o personagem mas após poucos números a revista foi cancelada apesar de estar muito bem em vendas e aceitação de público. Pediram para ela criar outro personagem chamado Agente X que era igualzinho ao Deadpool, mas não usava o mesmo uniforme. Na época, houve um boato de que a causa disso seria que a Marvel e um dos criadores do personagem estavam na justiça por causa de direitos de uso do mesmo. Fabian Nicieza perguntado sobre o assunto disse não saber de nada, porém tanto a Marvel quanto Rob Liefeld não quiseram se pronunciar a respeito, o que dá a entender que o problema era entre eles. Gail Simone acabou sendo tirada do título por divergências criativas com novos editores da Marvel e outros autores não conseguiram o mesmo sucesso que ela. Até que chamaram Fabian Nicieza de volta e criaram a revista Cable e Deadpool que foi cancelada após 4 anos de publicação.

Neste momento entra no título do personagem o escritor Daniel Way, a convite do editor Axel Alonso. Alonso deu total liberdade para o autor que iniciou em 2008 seus trabalhos com Deadpool. Conseguindo desde o primeiro número ser sucesso de crítica e público. Mantendo a revista do personagem com média de vendas de 55000 exemplares e figurando sempre entre as 20 mais vendidas do mercado. Nessa época, Deadpool tinha duas vozes na sua cabeça, como se fosse a representação do anjo e diabo que temos dentro de nós, só que Deadpool tinha 2 diabinhos lá dentro. Perguntado sobre o sucesso do personagem, ele disse que a chave era a singularidade do personagem. Um de seus editores falou pra ele que o segredo de uma história ser boa era que ela deveria ser única, se você puder trocar o personagem principal e a história continuar funcionando ela não é boa. E trocar Wade Wilson por qualquer outro personagem da Marvel em suas narrativas não fazia sentido nenhum.

O sucesso do personagem neste momento também foi creditado a popularização da internet e do vínculo do personagem com os fandoms e atualidades do mundo digital. Nessa época, Deadpool chegou a ter 11 títulos sendo publicados simultaneamente nas bancas. Mais que Homem Aranha e os X-Men. Recorde de títulos simultâneos de um personagem de quadrinhos até hoje.


Em 2013 um de seus títulos se chamava Deadpool, Merc With a Mouth também sucesso de público e crítica. O título contava com capas referentes a cultura pop, reproduzindo com Deadpool capas de quadrinhos icônicos como do Lobo Solitário, capas de discos como o da banda Nirvana, pôsteres de filmes como Tubarão, James Bond, etc. Deadpool já era um sucesso absoluto e então a Marvel trouxe dois comediantes famosos para escrevê-lo, Brian Posehn e Gerry Duggan. Nessa época, Deadpool se tornou a propriedade intelectual mais lucrativa da Marvel, com quadrinhos, videogames, camisetas, bonés e merchandising em geral. Entrevistas com donos de comic shops e organizadores de eventos mostravam que Deadpool era o personagem com mais cosplays em eventos e que vendia mais camisetas em suas lojas. Seu público nao era só o de leitores de quadrinhos e ele passou a ser um idolo tambem de pessoas progressistas pelo fato do Deadpool dar indícios de ser bissexual, pois mostrava atraçao por outros personagens masculinos, como por exemplo Cable e Thor. Quando perguntados os roteiristas nunca responderam claramente que ele seja bissexual, mas nos quadrinhos dão a entender que sim. Além disso, em suas histórias foi trabalhado o fato de Deadpool ser vítima de abuso sexual quando criança, ter problemas com depressao e auto aversao, temas pesados para serem tratados por outros super herois e que o humanizaram e o aproximaram mais ainda dos leitores.

Aquele que viria a ser a encarnação de Deadpool no cinema, Ryan Reynolds, antes de interpretar o personagem, entrou para o universo Marvel interpretando Hannibal King, um investigador e caçador de vampiros no filme Blade Trinity. Filme mais fraco da franquia do personagem Blade, o caçador de vampiros. Apesar disso, durante as filmagens ele conheceu um roteirista que o apresentou ao Deadpool, dizendo que seu estilo de comédia e interpretação encaixariam perfeitamente com o personagem. Reynolds ficou interessado e pegou uma revista do personagem para ler e nesta primeira revista havia uma fala de outro personagem coadjuvante que dizia que o Deadpool, sem a sua máscara, parecia um cruzamento de um shar pei com o ator Ryan Reynolds. Segundo o ator, aquilo parecia o destino dizendo a ele que ele tinha que levar o personagem às telas de cinema.

Após o fracasso de Deadpool em Wolverine Origens, filme que deturpou quase totalmente o personagem, a Fox contratou os roteiristas de Zumbilândia para escrever um roteiro do filme do Deadpool e Tim Miller para dirigir uma cena de ação que serviria para vender o filme. Porém, como eles estavam resetando a franquia dos mutantes com X-Men Primeira Classe, acabaram engavetando o projeto, Após alguns anos porém vazou na internet esse pequeno curta e o público adorou, fazendo uma pressão enorme para o filme acontecer. Daí o resto é história que pudemos acompanhar em Deadpool , Deadpool 2 e Deadpool e Wolverine.