Este livro certamente veio como uma boa surpresa. É uma espécie Supernatural se encontra com o sertão e a cultura nordestina. A autora nos transporta para um sertão nordestino recheado das mais variadas vertentes do sobrenatural no qual a dupla protagonista, Toninho, um jovem caçador de demônios e a Maga Josefa, uma feiticeira de ascendência demoníaca, se unem para combater diversas ameaças sobrenaturais, tais como demônios, vampiros, lobisomens, chupa cabras, assombrações e muitas outras criaturas, algumas delas, inusitadas.
A narrativa segue um padrão episódico, no qual a cada capítulo a dupla une forças para combater uma ameaça sobrenatural, combinando ação e investigação a fim de identificar a ameaça e definir uma estratégia para derrotá-la.
Isso tudo ocorre seguindo uma narrativa fluida recheada de muito bom humor e algumas situações cômicas. Daí vem os dois pontos fortes da obra, a construção sólida dos dois protagonistas que se relacionam com uma boa química e o tempero inesperado com o qual são reconstruídas cada uma das lendas em torno das criaturas confrontadas.
Em relação à construção dos protagonistas e também dos demais personagens de suporte e antagonistas, há muito acerto, pois Toninho e Josefa são bastante complementares em suas capacidades e também há uma crescente tensão entre eles na medida em que mistérios do passado de Josefa insistem e se colocar entre os dois. Há todo um arco que vai da desconfiança mútua no início e que passa pela construção de laços até que vai crescendo a confiança entre os dois. E o principal: é sempre uma relação permeada por conflitos e ao mesmo tempo com boas doses de humor, o que torna a leitura leve ao passo que desperta no leitor uma curiosidade sobre o que vai acontecer, não só na trama, mas também em relação a evolução da relação entre eles.
Quanto a abordagem em relação ao sobrenatural, é muito divertido ver uma série de lendas e mitos, alguns típicos do folclore brasileiro, outros vindo de culturas externas, sendo muito bem acomodados dentro dessa ambientação do sertão e da cultura nordestina. Mais que isso, a maneira que essa mitologia é um pouco distorcida e readaptada dando um frescor de surpresa a cada “caso” tratado pela dupla. É uma boa sensação de quebra de expectativas que desvia o leitor de prever a possível solução de um caso. Por exemplo, no caso de vampiros já pensamos em coisas como: “basta atravessar uma estaca no peito”, mas no fim, isso acaba se mostrando inválido nessa releitura proposta pela autora o que garante uma incerteza constante quanto ao rumo que cada caso, e a própria história como um todo, seguirá.
Talvez, o único ponto de incômodo na obra seja o fato de que em alguns momentos, fatos e explicações surgem um pouco ligeiro demais, dando um pouco aquela sensação de que vamos tirando coelhos da cartola para ajudar a fechar uma boa solução. Por outro lado, parece fazer parte da intenção autoral a construção de um universo com magia/sobrenatural soft, ou seja, no qual não se deve atribuir muita importância para a necessidade de explicações sólidas para o que é fantástico/inexplicável.
Enfim, a novela transporta o leitor para a atmosfera árida do agreste, mostrando um pouco da cultura popular nordestina de um jeito leve e divertido. Apesar das dificuldades, a dupla, ou melhor, o trio, já que temos uma terceira personagem muda, a jegue encantada de Toninho, Véia, segue por tortuosos caminhos até o clímax, sobre o qual não posso falar nada, mas que foi uma grande surpresa muito divertida e que coroou a obra com um final memorável.
Ótima leitura, muito recomendável, em especial, o aspecto de absorver referências variadas da cultura pop localizando-as para o ambiente nordestino.
P.S: Achei o easter egg do livro Lobo de Rua de Jana Bianchi.
Ricardo Brandes
Que bacana! Já anotei aqui para conferir. Um abraço!