Que bom voltar a ler Gilson Luis da Cunha! Já resenhamos aqui “Onde Kombi Alguma Jamais Esteve”, romance vencedor do prêmio o Argos 2020. Uma obra prima da ficção científica “bem-humorada”.

O conto, “Os Últimos Dias de um Cafetão Robô em Júpiter,” não é diferente! O humor comanda. A história é mistura peculiar de ficção científica e o clássico estilo noir. É ambientado no século XXVIII em uma das luas de Júpiter. Na trama, o protagonista, Blender, um robô detetive cínico, é contratado para investigar a morte suspeita de Archibald Van Haden, um magnata decadente. O enredo ocorre num futuro distante, onde humanos e robôs (IAs) convivem após uma guerra desastrosa.

O leitor, de imediato, é cativado pela forma como o autor constrói esse universo futurista evocando uma atmosfera nostálgica. O texto tem um ritmo ágil, misturando diálogos ácidos e um humor refinado que brinca com os clichês do gênero noir.

O coração do conto é Blender, o detetive robô carismático e engraçado que com seu jeito irônico, logo conquista o leitor. Gilson Luis da Cunha conseguiu fundir os traços clássicos dos detetives noir com as peculiaridades de um robô. Blender é mais do que apenas uma máquina a serviço de uma missão. Ele carrega uma carga emocional e reflexiva, questionando não apenas o caso em que está envolvido, mas também sua própria existência. Sua jornada investigativa o obriga a confrontar dilemas morais e a repensar a dicotomia entre humanos e robôs, como ele mesmo reflete: “Nós, máquinas, cedemos uma parte de nossa liberdade em troca de energia e manutenção. Não somos assim tão diferentes.” Esse tipo de introspecção torna Blender um protagonista complexo e humano, apesar de sua estrutura metálica.

A roupa emblemática de Blender – um terno risca de giz marrom e um chapéu Panamá – só adiciona charme ao personagem. A cada avanço na investigação, o leitor é levado a novos níveis de tensão, enquanto ele desvenda os segredos da trama.

A ambientação em Ganimedes, uma lua de Júpiter, no distante século XXVIII, é descrita com riqueza de detalhes, desde os ambientes sórdidos onde Blender conduz sua investigação até as tecnologias avançadas que compõem o cotidiano daquele mundo. A interação de Blender com a IA, Cecilia, me lembrou aspectos do excelente romance, Encarcerados, de John Scalzi. O cenário é tão palpável quanto o submundo sombrio de uma grande cidade dos filmes noir, criando um fascinante contraste entre o antigo e o futurista.

A influência do gênero noir se faz presente ao longo da narrativa enquanto Blender navega por um universo de conspirações, traições e figuras enigmáticas. O texto nunca perde seu tom leve e divertido, graças ao humor cínico de Blender e à habilidade do autor em brincar com os clichês do gênero. A trama é envolvente, e o mistério central – a morte de Archibald Van Haden – é bem trabalhado, com uma resolução satisfatória e inesperada.

“Os Últimos Dias de um Cafetão Robô em Júpiter” é uma obra que surpreende e diverte. Gilson Luis da Cunha consegue criar um universo único, onde o passado e o futuro se encontram de forma inusitada. Blender é um protagonista memorável, e sua jornada investigativa prende a atenção do leitor do início ao fim. Com diálogos inteligentes, uma ambientação rica e um enredo cheio de reviravoltas, o conto é uma leitura imperdível para os fãs de ficção científica. Leitura recomendada!