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Aquilo que nós matamos – Diego Guerra

E cá estamos nós com mais um livro do grande autor de fantasia Diego Guerra. Essa noveleta que integra a série “Chamas do Império” se passa numa pequena localidade do império chamada Pedra Alta. O livro é narrado sob múltiplos pontos de vista, mas, em especial, de Seryna, uma garota de 15 anos, que está para realizar um ritual e adquirir a maioridade.

Ela foi criada por seu pai, Yosé, um forasteiro e teve muito pouco contato com a civilização. Sua mãe, Alana, morreu há muitos anos e seu passado carrega algo que irá mudar o destino, não só da garota, mas como de todo o vilarejo.

A mudança de pontos de vista ao longo da narrativa deixa o leitor um pouco sem a referência de protagonista, mas é uma história que gira em torno de seis personagens: Seryna, seu pai e mãe, sua tia, Tiana, irmã de Alana, o primo Luka e o pai dele, Jadel, o prelado, uma espécie de prefeito de Pedra Alta.

Vários desses personagens carregam dentro de si mágoas, culpas e questões não resolvidas de seus passados, e tudo isso vem a eclodir a partir da cerimônia de emancipação de Seryna, na qual ela presta seus votos diante de sacerdotes e da comunidade.

Os personagens são bem construídos e a trama vai criando um suspense progressivo até que as complicações levam a história ao seu desfecho. O leitor irá perceber, desde o primeiro capítulo, a presença do sobrenatural. Não há muitas explicações, mas a trama conduz o leitor para montar o “quebra-cabeças” numa progressão que mistura suspense e horror.

Uma sensação de que as coisas vão terminar da pior forma possível vai se formando, mas o final surpreende e acaba não sendo tão terrível.

Diego Guerra vem com mais esse livro tecendo uma tapeçaria em que vamos conhecendo um pouco mais as partes das “chamas do império”, sendo este o quarto livro neste universo. Já vimos aqui: O Teatro da Ira, A Lenda do Mastim Demônio e O Gigante da Guerra. E queremos ver ainda mais histórias chegando.

Se você curte histórias de fantasia com personagens interessantes, suspense e um toque de sobrenatural, fica aqui a nossa recomendação para descobrir o que acontece com “Aquilo que nós matamos”.

Página do autor: https://diegoguerra.com.br/

Livro na Amazon

O Gigante da Guerra – Diego Guerra

Para começo de conversa, é um livro bom, mas indigesto. Não acredito que seja para qualquer um. Vamos começar por situá-lo em seu gênero, fantasia grimdark, caracterizada pela perda, moralidade cinzenta e violência.

O Gigante da Guerra narra a história de duas crianças, dois irmãos, Ward e Lenna, que precisam cuidar da fazenda de seu pai e, em alguma medida, da própria vila à qual esta pertence, durante um duro período de privações causado por uma guerra. A história se situa no mesmo universo do livros O Teatro da Ira e A Lenda do Mastim Demônio, mas não tem uma ligação direta com essas histórias.

A Lenda do Mastim Demônio – Diego Guerra

Chamas do Império: A Lenda do Mastim Demônio. São Paulo: Editora Draco, 72 páginas.

“Seja corajoso como os outros. Eles lutam. Eles comem.”

A Lenda do Mastim Demônio é uma noveleta de fantasia, com temática e linguagem adultas, que funciona como prelúdio para o livro O Teatro da Ira. O autor, Diego Guerra, escolheu como opção narrativa contar essa história do ponto de vista do irmão Belic, um monge que vive atormentado por seus próprios fantasmas e dúvidas e que busca alívio em sua fé.

Depois de conhecermos um pouco o irmão Belic, adentramos na narrativa principal, em que o próprio monge conta sobre os primeiros anos de vida de Mastim, o garoto selvagem que se torna Jhomm Krulgar, um dos protagonistas do livro O Teatro da Ira.

A história se passa em um mundo, em que há um império, mas que este enfrenta dificuldades para manter-se unificado e permanece imerso em conflitos.

A narrativa é envolvente e nela se misturam momentos claramente narrados pelo irmão Belic e outros em que a figura de Belic cai para o segundo plano e episódios da vida de Mastim são narrados.

A história funciona por si só, sem depender do outro livro ao qual está ligada. Nela conhecemos Mastim, um garoto que é criado literalmente como um cão por Dodd, o mestre dos cães do monastério. Dodd é uma figura odiosa, um bêbado de natureza rude e cruel, entregue a prazeres mundanos.

Nessa história, conhecemos, em detalhes, fatos que são narrados em O Teatro da Ira de forma resumida, muitas vezes, em flashbacks. Como Mastim cresceu, como era visto por aquela sociedade e sua relação com a garota Liliah, a única pessoa que lhe deu algum afeto naquela primeira fase de sua vida. E também, seu primeiro encontro o Dhäen que mais tarde será seu companheiro de aventuras.

Neste mundo mundo, existe uma raça não-humana, os Dhäeni. São proscritos e discrimidados pela sociedade e foram recentemente libertados de sua condição de escravidão. Os Dhäeni, além de ex-escravos, são mágicos por natureza, fazendo magia através de canções. Mas, não vemos muito disso nessa narrativa.

A prosa do autor é envolvente, trabalhando bem sequências de ação, os diálogos e o aspecto reflexivo do monge narrador. Não dá pra deixar de citar o fato de que há muita violência e crueldade em pontos específicos da história e o leitor deve estar preparado para isso.

O balanço geral é que é um livro curto de fantasia, bem construído, que abre as portas para a narrativa mais completa e complexa de O Teatro da Ira. Recomendo.

No momento dessa postagem, o livro está com uma promoção muito boa na Amazon.

Site do autor:
https://diegoguerra.com.br/

Entrevista com Diego Guerra – autor de O Teatro da Ira e O Gigante da Guerra.

Diego Guerra é formado em Produção Editorial pela Anhembi Morumbi e em roteiro pela Academia Internacional de Cinema. Trabalha como designer e é fã de literatura fantástica e romances históricos. Passou os últimos quinze anos escondendo suas obras nas gavetas, mas resolveu que já estava pronto para contar suas aventuras. Autor da série online Chamas do Império, que foi selecionado pelo catálogo da Editora Draco.

Fale um pouquinho sobre você, para seus leitores o conhecerem um pouco mais. Se puder, conte algo além do que já divulga na sua biografia.

Uau, vamos ver. Eu sou formado em produção editorial. Em um momento da minha vida alguém me convenceu de que eu nunca seria um escritor, então eu resolvi que trabalharia com o livro dos outros para me satisfazer, assim, meio sem querer, acabei bandeando para o lado da arte e me tornei designer, mas o objetivo principal sempre foi escrever, o resto eu fiz para pagar as contas.

No fim acho que não me desviei muito do meu caminho. Tenho uns amigos que queriam ser cantores, pintores, mil coisas e acabaram em um emprego completamente diferente. Acho que no fim eu acabei meio por teimosia na mesma área. A verdade é que não me vejo fazendo nada diferente e já pensei muito nisso.

Quando percebeu que queria escrever um romance, e ainda, por que o gênero de fantasia?

Percebi que queria escrever histórias assim que aprendi a ler. Deixava meus pais loucos, juntava todos os trocados para comprar livros. Minha família era muito pobre na época e a maioria dos livros que eu lia tinham sido herança dos meus tios e não eram para a minha idade. Ao mesmo tempo, eu colecionava artigos científicos e teorias bizarras… e gostava de inventar histórias para todas as coisas. Na verdade não escolhi a fantasia, eu fui descobrir o que eu estava fazendo muito mais tarde e até tentei escrever outras coisas por um tempo. Me disseram que eu tinha que escrever “coisas sérias” e eu tentei escrever crônicas, tentei romances existencialistas, mas não sou eu. Na fantasia eu me sinto mais à vontade.

Quais são suas principais referências na literatura?

Olha, como leitor eu me dediquei a tudo um pouco. Sou grande fã de realismo mágico, sobretudo Borges, Saramago e J.J. Veiga, mas nunca esqueci aquele sentimento de assombro que tinha com os romances de aventura como os livros do Stevenson ou Júlio Verne. Acho que tudo me tocou um pouco e fui mudando conforme lia. Ouvi um “click”, mesmo, quando li Bernard Cornwell, Yoshikawa e Dickens, foi quando eu comecei a encontrar o que eu queria escrever. Sei que eles parecem não conversar entre si, mas acho que como autor foram as obras que mais me influenciaram. Em algum momento também conheci Tolkien – não tem como ser escritor de fantasia sem ter ao menos conhecido Tolkien – mas acho que o que eu faço fica muito distante dele. Talvez me identifique mais com Michael Moorcock.

Legal, o Moorcock foi um dos que me fisgou para o gênero. Ainda tenho o projeto de ler todos os livros dele, acho que já estou na metade.

Moorcock é incrível, na minha opinião é um cara tão importante quanto Tolkien para o gênero. Tolkien era um acadêmico, sua obra é uma perfeição a parte, mas o Moorcock teve grande contribuição na disseminação e atualização da fantasia… Antes todos queriam ser Tolkien. Depois do Moorcock, as pessoas começaram a procurar histórias diferentes. No meu panteão, ambos dividem o trono.

Bacana, eles realmente merecem! O que você tem lido?

No momento tenho lido muitos livros teóricos, estou terminando a leitura do “Gigante Enterrado” do Ishiguro, “O Poder da Espada” do Abercrombie e “Como Funciona a Ficção” do James Wood.

Nossa, a trilogia da Primeira Lei, de Abercrombie “estourou a minha cabeça”!

Eu comecei a ler o Abercrombie porquê muita gente compara o meu livro com este, mas ainda estou bem no começo. Gostei do ritmo e tive uma boa impressão dos personagens… Mas ainda é cedo para dar um veredito.

Sobre a belíssima ilustração da capa de O Teatro da Ira (resenha) feita pelo ilustrador Camaleão. Como foi o processo de criação? Você participou? Ou foi algo que ocorreu através da editora?

Puxa, isso foi uma novela à parte… Sou designer, como vc sabe, é gosto muito de trabalhar com capas… Então eu fiz o projeto gráfico e contratei um ilustrador excelente para desenvolver a ilustração da batalha da ponte… Infelizmente o cara pisou na bola, e desapareceu. Levou 6 meses para eu recuperar o sinal que eu tinha pago. Nesse meio tempo, eu tentei resolver a capa de outra forma, inclusive fiz uma ilustração eu mesmo:

http://diggs.com.br/2016/02/05/teatro-da-ira-design-de-capa/

Só que, como vocês podem ver, meu traço era muito juvenil para a história… Quando eu apresentei pra Draco eles sugeriram outro ilustrador. Não tinha ideia de quem seria e nessa altura do campeonato apenas confiei no editor. Uns meses depois recebi esse presentão que foi uma capa do Camaleão. Até hoje não entendo como isso foi possível. O trabalho dele é incrível.

Li uma postagem sua falando sobre dificuldades para escrever a continuação de Teatro da Ira. Isso continua? Fale um pouquinho sobre isso.

Olha, eu nunca pensei que existiria essa dificuldade… Eu planejei os romances do Chamas do Império de forma semi-independente, montando arcos e deixando algumas pontas soltas para as possíveis continuações. Tem sempre um desejo de fazer melhor, sem menosprezar o primeiro e dando espaço para o próximo. E acho que tenho sido muito exigente comigo mesmo, para não decepcionar os leitores. Corrigir as coisas de acordo com o feedback que recebi do Teatro, também é uma preocupação.

Uma vez li um artigo do Asimov relatando a dificuldade de escrever sexto (ou quinto) livro da série Fundação. Para ler o segundo, leu o primeiro 2 vezes, o terceiro, o primeiro e segundo, mais vezes ainda, e assim progressivamente… até que ele disse que estava quase enlouquecendo.

Pois é. Eu sinto um pouco disso. Até porquê eu faço MUITOS tratamentos. Então, tem até isso, a história que eu tenho na minha cabeça às vezes é diferente da história que chegou aos leitores. Daí preciso sempre consultar para saber se aquilo aconteceu oficialmente ou foi só um tratamento que ficou para trás.

Mas está progredindo, certo?

Muito mais lentamente do que eu gostaria, mas sim, temos algum progresso e tem sido divertido ver a evolução da história.

Muitos de meus livros tem fortes relações com jogos de RPG (de mesa). De onde veio sua inspiração para Chamas do Império? Sua ideia é escrever uma série? Tem mais ou menos noção do tamanho?

A origem do Chamas do Império é uma história que eu escrevi em um universo inspirado em RPG de mesa… No decorrer daquela história dois personagens conversavam sobre um antigo Império que abraçava todos os reinos daquela região e foi por conta dessa linha de diálogo que eu comecei a imaginar como seria um Império tão vasto. Foi assim que nasceu as Chamas do Império.

Para escrever acabei me baseando bastante no Império Romano, nessa hora a obra de Edward Gibbon foi importantíssima, mas como queria escrever uma história de guerra, também fui atrás de livros da Segunda Guerra para me inspirar em algo mais moderno… No fim, a gente acaba sempre escrevendo sobre nós mesmos e sobre a nossa época, não é? Então eu acabei acrescentando questões que me interessam, como a escravidão, o preconceito e a luta de classes.

Aquela história inicial serviu apenas para me fazer questionar sobre a origem das coisas e me fez construir um universo muito mais rico, mas a verdade é que ela já não faz sentido algum para mim hoje.

Eu tenho ideia para muitos livros envolvendo os personagens do Chamas do Império, mas a verdade é que tenho outros projetos que quero escrever também, então resolvi fechar um arco importante da história antes de dar uma pausa e trabalhar nestes outros projetos um pouco. Estou falando em 3 ou 4 livros, com a mesma estrutura de arcos intercalados. Depois disso… veremos.

Achei que seu epílogo em forma de nota histórica agigantou seu romance. É uma inspiração vinda de Bernard Cornwell?

Minha primeira ideia era escrever um livro com notas de rodapé. Eu ia acrescentar as anotações sobre a paisagem, as pessoas, sempre do ponto de vista de um autor fictício do mundo. Quando comecei a fazer isso, porém, achei que estava ficando muito cansativo.

Acho que uma das minhas questões favoritas é “onde está a verdade?” Se você reparar, o Teatro da Ira é cheio de meias-verdades. Cada um tem a sua versão da história. As Notas Históricas foi um jeito de mostrar isso de forma clara, mas sim, Bernard Cornwell me mostrou como fazer isso. Enquanto as notas históricas dele tentam desvendar onde foi que ele “mentiu”, as minhas servem para mostrar que todos estão mentindo.

Pretende participar do NaNoWriMo 2017? Escreveria o primeiro esboço de um romance novamente em apenas um mês?

Olha, eu participei do NaNoWriMo 2015 e escrevi o Gigante da Guerra. Foi uma experiência devastadora, de várias formas… Não sei se faria novamente, mas se o fizesse, dificilmente o faria com Chamas do Império. Os romances são longos demais para isso.

Falando sobre outros livros, você comentou numa outra entrevista que é um pouco pessimista quanto ao ser humano e que isso aparece um pouco em suas obras. Você se vê escrevendo um romance que transmita uma mensagem otimista?

Sabe aquelas notícias sobre “Nasa anuncia que o mundo vai acabar nesta quinta feira?” Isso pra mim é otimismo. Falando sério. Eu adoraria. Gostaria mesmo de conseguir escrever algo que transmitisse algo bom para as pessoas, mas sempre que tento algo assim me parece falso. É um ponto fora da minha zona de conforto. Quem sabe um dia?

Seu romance, O Gigante da Guerra, tem alguma relação o universo de Chamas do Império?

Ah! O gigante da Guerra!  Sim e não. Ele se passa no mesmo universo, mas acontece anos antes e numa região diferente do Império… Então temos as mesmas raças, a mesma sociedade, mas vemos a história toda por um outro prisma. Você não precisa conhecer um para entender o outro.

O Gigante da Guerra se passa uns vinte anos antes, no fim da Guerra das Almas… Com o Império em seu pior momento. Conta a história de dois jovens que não tem nada de aventureiros ou heroicos, tentando sobreviver tomando decisões muito difíceis. Acho que é uma fantasia mais perto do realismo mágico.

 

Li um artigo seu sobre Viver de Escrever. É um pouco raro encontrar autores brasileiros, em especial da literatura de gênero, que vivem de escrever. Isso é uma aspiração sua? Como vê esse caminho?

Acho que viver de escrever é ter mais tempo para escrever e isso é algo que todo autor deve desejar. Seria ótimo não ter que espremer a produção literária entre um boleto pago e outro, mas sei que isso é raro, praticamente impossível, então toco a vida. Não vou deixar de escrever, isso não vai acontecer, mas gostaria de ter tempo para que as coisas andassem mais rápido.

É um ciclo. Existe uma forma de sair deste ciclo, mas é complicado. Uma vez tive o prazer de conversar com o Ulisses Tavares, um autor da velha guarda que me explicou como ele vive como autor. O segredo era (pausa dramática): ele tinha na época 140 livros publicados.

UAU, 140!

Destes 140 livros, alguns vendiam bem, outros vendiam mal… mas eram 140 livros. Sempre tinha alguma coisa para receber. É a mesma lógica de uma editora, a tal da Cauda Longa. Ganhar um pouco de cada livro. Bom, para mim faltam só 139 agora.

[risos] Ótima perspectiva! Isso sim é otimismo. Bem, novamente, agradeço demais. Foi um ótimo bate papo!

Eu que agradeço. Acho ótimo falar com outro colega escritor. É sempre divertido.


Então pessoal, espero que tenham gostado. Abaixo separei alguns links úteis:

 

 

O Teatro da Ira (Chamas do Império) – Diego Guerra

Chamas do Império: o Teatro da Ira. São Paulo: Editora Draco, 360 páginas, capa Diggs (o próprio autor) e Camaleão.

“A coragem é o único caminho; o medo o único pecado”

Primeira coisa, uma das coisas me motivou a adquirir esse livro foi a arte de capa. Um trabalho belíssimo do ilustrador Camaleão. Ele saiu de minha fila de leitura, relativamente rápido, pois há muito tempo queria entrar numa série de leituras de livros de fantasia e ficção científica de novos autores brasileiros.

O Teatro da Ira é uma fantasia que segue a linha brutal, lembrando um pouco o tom da trilogia da Primeira Lei de Joe Abercrombie, com uma temática e linguagem adulta. Não se fixa num único protagonista, mas está centrado em torno do mercenário Jhomm Krulgar, um sujeito forte e bruto que vive à sombra de acontecimentos terríveis em sua juventude. Devo dizer que gostei bastante do personagem, o fato de ter sido criado com cães e sua natureza selvagem, lembrando um pouco personagens como Conan.

E até queria que ele estivesse mais presente… A inclusão de um elenco complementar de personagens, dos quais a trama dependia para avançar, chegou a me afastar um pouco da obra, em alguns momentos. A primeira metade do livro é constituída pela apresentação desses personagens, em alguns casos, aparentemente desconexos da trama, mas aos poucos as peças vão se juntando. Do meio até o final, a narrativa ganha um ritmo mais forte, fazendo o leitor querer virar as páginas.

O mundo criado por Diego possui magia, mas ela se manifesta de uma maneira não tradicional. Temos a personagem Thalla, filha de um rico comerciante e capaz de entrar nos sonhos das pessoas, influenciando suas motivações, uma coisa análoga ao que vimos no filme Inception. O outro tipo de magia mostrado é uma espécie de ilusionismo praticada por um mambembe errante chamado Ethron. Dão o nome a esta especialidade de teatro coen, presente na trama, e que acredito ter motivado a escolha do título do livro.

Falando sobre a composição do mundo, sabemos que há um império, mas que este enfrenta dificuldades para manter-se unificado. Há uma guerra ativa em sua fronteira norte, e ameaça de rebeliões nas províncias sulistas. Isto também é de importância para a trama, pois todos os personagens acabam convergindo para a cidade de Illioth, uma importante capital no sul de onde vem uma ameaça de rebelião.

Outro aspecto da construção de mundo, vem da existência de uma raça não-humana, os dhäeni (ou eldani, como eram chamados nas eras passadas). Em relação a estes, o livro discute o tema da escravidão e do que ocorre com um povo que foi escravo por muito tempo após sua abolição. O preconceito que permanece e a própria visão subserviente que possa ter se instalado naquela cultura. Os dhäeni, além de ex-escravos, são mágicos por natureza, realizando magia através de canções. Eles possuem o interessante conceito de unidade com o todo através do canto da Grande Canção. A pessoa que salva a vida de Krulgar, quando jovem, é um dhäeni chamado Khirk. É uma figura interessante, pois cometeu um tipo de crime contra sua cultura e perdeu a sua voz, tornando-se assim, um fahin, um dhäen que não consegue cantar em consonância com a Grande Canção. Há outros personagens dhäen que mostram a relação desumanizada, ainda cultivada pelos humanos em relação aos seres desta raça. O livro tem boas sequências de ação, em especial, algumas batalhas que ocorrem no meio do livro.

Mas deixa algumas pontas soltas, que talvez venham a ser explicadas nas sequências. O autor possui um prosa fluida, no geral, trabalhando bem sequências de ação e diálogo, mas achei que peca um pouco nas sequências descritivas, em especial em aproveitar-se disso para informar o leitor sobre a história e outros aspectos do mundo. Tais informações poderiam ser mais condensadas, ao meu ver, o que deixaria o ritmo de leitura mais fluido e ágil.

Quanto à finalização, acredito ser a melhor parte do livro. O escritor entrega um final convincente, com uma boa reviravolta, deixando o caminho aberto para outras obras. O que gostei, em especial, foi do capítulo do epílogo, no qual constrói uma perspectiva histórica da narrativa e é irônico notar como os historiadores criam uma versão não que não adere aos fatos narrados na estória (usando a forma antiga aqui para diferenciar de história). Já vinha suspeitando, durante a leitura de influências de Bernard Cornwell neste livro e o epílogo ajuda a pensar assim. Será mesmo? Seria uma boa questão para uma possível entrevista com o autor.

O balanço geral é que é um livro de fantasia épica bem construído, com alguns personagens interessantes, uma trama bacana, construção de mundo que evita um pouco os pontos comuns do gênero e que é uma obra notável considerando o cenário do gênero no Brasil. Fica minha recomendação.

Site do autor:
https://www.diegoguerra.com.br

Ilustração (completa) por Camaleão:
http://camaleao.artstation.com/projects/zNkGZ

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