O tempo para escrever essa resenha foi longo. Ganhei A Guerra dos Tronos no meu aniversário no início de fevereiro e terminei sua leitura ainda neste mês. Gostei muito do livro e depois também da série da HBO. Mas quando o assunto era escrever a resenha do livro, fiquei bloqueado. Havia muito o que dizer e não sabia por onde começar. E fui adiando isto até agora que terminei de ler o segundo livro, A Fúria dos Reis. Além de tudo aquela dúvida: será que o mundo realmente precisa de mais uma resenha deste livro, que já é um best seller? Bom, pode ser que não, mas minha conclusão é que eu preciso escrevê-la para praticar e dar continuidade à linha de trabalho que estou desenvolvendo aqui no blog.
Antes de falar do livro em si, um fato curioso que descobri nesta entrevista com o autor e que é legal de compartilhar:
Durante o período no qual eu estava desenvolvendo pilotos (para TV) e escrevendo filmes, me disseram várias vezes que eu estava fazendo tudo muito grandioso e caro. Eu ouvia direto “George, esse roteiro está ótimo mas para produzi-lo vamos precisar do triplo do nosso orçamento. Você tem que cortá-lo”. Eu voltava, relia tudo e cortava. Eu me cansei de ter que cortar roteiros. Estava cansado de conversa; tive que cortar cenas ótimas que eu realmente achava que davam um toque especial em alguns desses projetos. Eu vim do mundo da prosa antes de me envolver com TV e cinema. Passei 15 anos escrevendo contos e romances, então eu estava voltando ao meu primeiro amor. Eu sabia que quando se escreve um livro não há preocupações com orçamento. Você não fica limitado àquilo que pode ou não fazer por causa de efeitos especiais e tecnologia. Não há limites temporais, pode escrever o quanto quiser. Dá pra ter uma história massivamente longa, mas ela também pode ter todos os tipos de cena, cenários e batalhas diferentes. Dá pra ter um elenco de personagens com 100, 1000 pessoas. Foi isso que eu fiz. Eu escrevi o melhor livro que pude pensando que ele provavelmente seria eternamente somente um livro, mas tudo bem. Eu amo livros. Então, tudo isso do seriado me deixou bem feliz, ainda que haja uma ironia, especialmente se você considerar que, de 1990 a 1995, eu fiz de tudo para criar uma série televisiva. Escrevi seis pilotos e nenhum deles foi comprado. Quando você para de tentar, parece que tudo cai do céu.
Bom, então vamos lá! A Guerra dos Tronos, volume 1 das crônicas de Gelo e Fogo.
“Na guerra dos tronos, ou você vence, ou morre. Não há meio termo.”
A primeira coisa a notar sobre o livro (e suas seqüências) é que o autor quebra algumas características do que se espera quando vamos ler um livro de fantasia. A trama é centrada em intriga política de uma sociedade feudal sendo que a magia e fantástico ficam relegados a um segundo plano. Ou seja algo como fantasia medieval e não “alta fantasia” ou mesmo “fantasia heróica”. Se você acabou de ouvir falar no livro, ou já viu a adaptação para a TV saiba que esses livros não são para as crianças ou os “fracos de coração”. Há violência abundante e o sexo (alguns diriam) é pornográfico. O autor não faz rodeios, retrata um mundo brutal de traições, assassinatos, luxúria e ganância, em que até os protagonistas (até mesmos crianças) têm de ser cruéis se quiserem sobreviver.
O leitor pode demorar a se acostumar com o ritmo de narração estabelecido. Há muitos personagens e tramas simultâneas, mas aqueles que não se desanimarem com o início serão recompensados conforme o progresso da leitura. Antes de ser um livro de uma história sendo contada é um livro de tramas de um conjunto de personagens. Ele tece seu conto de muitos fios e consegue transmitir uma sensação de realidade para cada personagem. Diferente de muitas outras histórias de fantasia, não temos uma divisão clara de “bons” e “maus”. Em vez disso, cada personagem manifesta suas virtudes, vícios, seus demônios interiores e egoísmo. O autor é competente ao tornar cada um dos personagens originais e detalhar suas personalidades e maneirismos.
A perspectiva muda de capítulo para capítulo, com seus personagens principais alternando diferentes perspectivas de um arco de história maior às vezes um pouco difícil de enxergar claramente. Alguns deles sabem o que os outros personagens estão fazendo, alguns pensam que sabem, e alguns nem suspeitam. Mas de algum modo a trama complexa avança e o leitor é conduzido adiante. Martin é cruel para os seus personagens. Ninguém está a salvo. Ninguém. Mesmo quando você pensa que está conhecendo a natureza de um dos protagonistas, eles podem surpreendê-lo. É difícl separar o preto do branco. Um personagem, por exemplo, comete um crime horrível no início da série, e é conhecido por ter cometido outro. Conforme a trama avança e o personagem é desenvolvido, torna-se mais difícil fazer um julgamento simples, pois ele toma algumas ações pelas quais o leitor pode passar a admirá-lo.
O centro de ação gira em torno da família Stark, o patriarca Eddard Stark, sua esposa Catelyn e seus filhos Bran, Arya, Sansa e seu bastardo Jon Snow. Destes Arya se destaca bastante fazendo com que fiquemos felizes ao voltar ler um de “seus” capítulos. “O inverno está chegando”, diz o lema da Casa Stark, algo verdadeiro, pois o frio atinge severamente o norte do Sete Reinos durante seus longos invernos. Winterfell fica ao sul da muralha que separa os Sete Reinos dos ermos selvagens de para-lá-da-muralha onde antigos poderes sobrenaturais se reúnem representando uma ameaça maior do que qualquer um pode conceber.
Quando a Mão do rei Robert Baratheon (leia-se “braço direito”) morre, ele faz uma longa jornada para pedir ao seu velho amigo, Lord Eddard Stark de Winterfell, para tomar esta posição. A partir daí toda a trama começa a se desenrolar.
Os dois personagens fora da família Stark, geram boa parte da sustentação e interesse ao conjunto da obra. De um lado o anão, Tyrion, fornece uma perspectiva sarcástica e contraponto, pois ele está teoricamente do lado dos “maus”. Isso se confirma no segundo livro mantendo-se como um personagem bem legal de se acompanhar. A outra, Daenerys Targaryen (Dany), está em outro continente e envolve-se com um povo que lembra a civilização Mongol, os Dothraki. Ela é herdeira da antiga linhagem de reis deposta pelo atual rei com apoio dos Stark (entre outros). Sua participação na trama gera uma expectativa de que durante a série haverá um arco de história maior que a disputa interna pelo trono de Westeros.
Vale lembrar que um livro sombrio sem muitos meio termos. Se estiver preparado para isto, acredito que a leitura pode se tornar um bom divertimento.