Encarcerados é um romance de ficção científica ambientado em um futuro próximo, onde um vírus de escala global conhecido como Síndrome de Haden deixa uma parcela significativa da população com a mente intacta, mas os corpos completamente paralisados. O cenário criado por John Scalzi é, ao mesmo tempo, perturbador e fascinante, pois explora uma tragédia médica remediada pelo uso de novas tecnologias.
Neste novo mundo, a tecnologia evoluiu para permitir que as pessoas afetadas pela Síndrome de Haden possam interagir com o mundo físico através de C3s, veículos humanóides controlados remotamente por meio de redes neurais. Além disso, há a opção dos “integradores”, indivíduos preparados para compartilhar seus corpos com os Hadens, oferecendo uma experiência de vida mais humanizada e próxima do que seria habitar um corpo biológico.
Em 2017, Yoshi Itice, quadrinista curitibano, também autor de Do Contra: Herança (Graphic MSP), começou a produzir e publicar de forma independente a série “Eventos Semiapocalípticos” que compreende cinco volumes: “Eduardo e Afonso” (2017); “Gilmar” (2018); “Gabriela” (2019); “Rafael” (2021); “Zé Augusto” (2022);
São histórias que, em algum grau, funcionam de modo independente, mas que estão fortemente relacionadas entre si. Vou tentar não entrar em muitos detalhes das histórias, para evitar spoilers.
Na primeira história da série, Eduardo e Afonso, notamos uma referência ao anime/mangá Fullmetal Alchemist, mas a primeira coisa que capturou minha atenção na HQ foi o excelente design dos personagens e o belo trabalho de cores, inclusive nos cenários. Em segundo lugar, não é uma história fácil de entender de cara. O leitor fica se perguntando: Quem são eles? Como assim, uma secadora de roupas falante? Onde eles estão? Por que as coisas estão assim? E são essas perguntas sustentam o desenrolar da série até o fim.
Mas o que é mesmo surpreendente, e o ponto alto, de todas as histórias dessa série é que, além do humor, há um subtexto que surge na relação entre os personagens, de suas qualidades e defeitos, que traz mensagens e reflexões ao leitor.
Na sequência, temos Gilmar, a história de um homem-peixe que é encontrado num mercado vazio, sozinho, trabalhando como caixa. Conforme a história avança, percebemos que Gilmar é um falso protagonista. Ele é uma figura bastante enigmática e apática e é levado por dois outros personagens, Robertinho e Gordo, a viver algumas aventuras surreais. É como se o leitor fosse arrastado para numa road trip vivenciar algumas experiências de modo passivo, apenas aproveitando a jornada. Ainda assim, a história contém um dos momentos mais divertidos da série, o confronto das Elfas Piratas Cozinheiras e dos Anões Piratas Cozinheiros.
Gordo e Robertinho, também aparecem na primeira história mostrando que o destino dos personagens está cruzado. E isso nos leva ao terceiro livro da série, Gabriela, no qual começamos a entender onde eles estão e o que causou o semiapocalipse.
Gabriela é uma cientista que quer consertar o mundo em que vive (e comer algo além de ervilhas), para tal, usa uma máquina do tempo portátil. O problema, é que quanto mais ela usa a máquina e faz viagens, mais confusa fica, perdendo a perspectiva do problema que deseja resolver.
No quarto livro da série, conhecemos melhor Rafael, o maior mago do universo. Ele aparece brevemente no primeiro livro, mas agora passamos a entender um pouco de sua vida e motivações. O cão, Sakamoto, e o construto, Henry, são seus companheiros de jornada.
Rafael fica chateado por não ter conseguido ajudar Eduardo e Afonso e busca conselhos com Jorge, um mestre mais graduado que ele (pai de Gabriela). Isso o leva de volta ao mais uma edição do torneio entre magos. Segundo o conselho do mestre, talvez ali encontre o que precisa para ajudar a dupla.
O que nos leva à incrível conclusão dessa série, a história de Zé Augusto, um esqueleto falante, encontrado por Laura (amiga de Gabriela), Gordo e Robertinho. Nesse livro, finalmente as respostas chegam, e entendemos como tudo aconteceu ao mesmo tempo que todos os personagens voltam a se reunir. E não sem um sacrifício, finalmente é possível atingir um final feliz.
Ler a série toda de uma vez é uma experiência divertida e imersiva, explorando um universo surreal e descobrindo mistérios, além de contemplar a belíssima arte de Yoshi Itice. As edições incluem seções de extras com esboços e textos complementares ao universo ficcional.
Voltada para o público infanto-juvenil, a série possui profundidade capaz de trazer reflexões a leitores de todas as idades. Recomendadíssima!
Essa coletânea reúne 4 contos que expandem o universo ficcional criado na novela Quando os Humanos Foram Embora. Neste longínquo futuro, os seres humanos superaram dificuldades morais da nossa época e se tornaram Imortais.
Em Animais de Estimação temos a narração do encontro de uma humana, Laila, e um alienígena da espécie gandolphiana, Arguto. A relação entre as espécies é respeitosa, mas não totalmente amigável. Os gandolphianos pedem auxílio aos humanos para uma questão, mas por trás das relações práticas há um desejo dos alienígenas de obter compreensão mais profunda de tecnologias dominadas pela humanidade e também da psicologia de nossa espécie.
Muito ligados a seus animais de estimação, os gandolphianos finalmente obtém um terrível entendimento sobre uma das características da humanidade quando investigam o passado remoto da espécie humana e sua relação com animais de estimação.
Em Caminhos sem Volta, vemos exploradas duas questões afins desse universo ficcional. Uma delas é a forma que a humanidade lida com crimes, punições e recondicionado de infratores e sua reintegração na sociedade.
A outra, é a como a imortalidade pode afetar a exploração de ambientes potencialmente hostis. Este conto explora uma perigosa missão recebida por um ex-criminoso. Ele deve desvendar o motivo que levou dois exploradores a terem sido dados como mortos.
Em Amor Esquecido, vemos o que acontece quando um casal se separa de forma trágica. A companheira, morta num acidente, retorna à vida, porém, descuidada de seu “backup de memórias”, ela perde mais de cinquenta anos de sua vida pregressa. Será possível que ele casal consiga reconstruir sua relação após tais eventos?
E por último, Lokii em Ragnarok, temos um cientista civil, sendo o primeiro convidado para avaliar uma rara condição de quarentena imposta a um sistema estelar após a humanidade descobrir ali uma nova e peculiar espécie alienígena que foi chama de Lokii.
Este é o maior conto da coletânea e também o que mais desperta a curiosidade do leitor. Afinal, por que foi necessário estabelecer a quarentena? É possível superar o dilema ético que levou os cientistas a tomar esta decisão?
Essa é uma coletânea com ótimos contos de ficção científica que estimulam a imaginação e curiosidade do leitor. Uma ótima adição ao universo ficcional dos Imortais Efêmeros.
Adquiri essa HQ no FIQ 2022, pelo financiamento do Catarse, e finalmente ela ficou pronta e chegou esses dias. Já vimos aqui duas outras obras do autor, Ilha dos Ratos, uma mistura de fábula, crítica social e história de investigação no estilo Noir, e Caxinã, uma HQ nacional e independente sobre Kaijus, monstros gigantes inspirados em filmes da cultura pop japonesa, como Godzilla.
Em sua mais recente obra, Vinícius Lobo nos leva a uma narrativa dividida em três episódios, inspirada pelo formato do filme Memories (1995) de Katsuhiro Otomo. Neste universo, sobre o qual temos um vislumbre por três episódios, vemos um pouco dos acontecimentos em torno do surgimento, estabelecimento e modificação de uma máquina/inteligência artificial conhecida como Arquivista.
O primeiro episódio ocorre no passado e mostra as origens da máquina/organização, talvez ali no período da revolução industrial. Tudo começa com a usurpação de uma pesquisa.
O segundo, ocorre num tempo análogo à nossa época contemporânea, e envolve um incidente de consequências terríveis envolvendo a tripulação de um navio, que reflete no “vazamento” de armas biológicas sobre em uma cidade.
O terceiro episódio ocorre num futuro distópico em que o Arquivista se estabeleceu como uma entidade que monitora e controla a sociedade. Aqui vemos aspectos negativos que podem ocorrer com a sociedade quando uma ferramenta de inteligência artificial sob o controle de grupos de interesse se estabelece.
Talvez, possamos ler como uma alusão ao sistema atual que vemos em partes do mundo e da influência de grupos econômicos e tecnológicos sobre a vida social. Aqui, temos uma guerrilheira e hacker insatisfeita com a situação de seu mundo, lutando para modificá-lo a partir de seu elemento chave, o próprio código-fonte da inteligência artificial que influencia e modera o funcionamento social.
Uma das coisas que aprecio nas obras do autor é que ver que ainda é adepto do processo analógico de produção. Vemos aqui seus traços cuidadosos e bom domínio da construção de cenas em preto e branco com o bom e velho nankin.
Além disso, o autor vem demonstrando um domínio crescente da própria forma da narrativa visual inerente e única à nona arte. Então, o Arquivista é uma ótima opção para os apreciadores de uma narrativa de ficção científica, repleta de ação e que nos dá um vislumbre de um universo fictício, bastante particular, com um toque tupiniquim e que emerge da mente do autor.
Resolvi reunir o três últimos livros desta saga numa única resenha. É… Faço coisas esquisitas, mas a razão é que estou tentando escrever esse texto sem dar spoilers e concluir de uma só vez essa série de resenhas.
Algo que unifica essas três obras é o sofrimento prolongando vivenciado por Ciri, Geralt e Yennefer ao mesmo tempo em que mais e mais personagens e diferentes narradores e pontos de vista são introduzidos na história.
É claro que o interesse do leitor está centrado em Ciri e Geralt, mas ele precisará ler muita história relacionada e paralela que ocorre com outros personagens secundários, ou mesmo que só aparecem de passagem na trama, para descobrir o que acontece com os protagonistas no final.
Em alguns momentos, esses “desvios” funcionam, pois, o leitor acaba gostando de alguns personagens e situações, mas em outros momentos, em que a identificação não ocorre, essa estrutura narrativa torna-se um obstáculo à leitura. Percebi a vontade de saltar alguns trechos dos livros e acredito que isso possa acontecer com outros leitores. Mesmo com isso, vale a pena? Sim!
A presença de personagens como Jaskier ou do anão Yarper Zigrin são sempre bem vindas. Regis, Milva, Cahir e Angoulême também são personagens novos e muito interessantes. Algumas tramas relacionadas à grande guerra entre Nilfgaard e os reinos do norte vão acompanhar esses livros. Como isso afeta os humanos, os não humanos, principalmente elfos, anões e as dríades de Brokilon.
O leitor irá encontrar os seguintes elementos na leitura: Tramas politicas, espionagem entre reinos, companhias de mercenários, batalhas e perseguições, muitos personagens que morrem, descrições sanguinolentas e cruas, passagens bem humoradas, locais interessantes, criaturas estranhas, discussões banais e discussões filosóficas, texto de história passada e futura, pontos de vista diversos e registrados em diferentes formatos, etc.
O papel de Ciri e seu significado na ordem das coisas vai sendo revelado aos poucos, e alguns antagonistas muito interessantes vão marcando presença, tais como: o mago Vilgefortz, o espadachim Bonhart, o nilfgaardiano Stephen Kellen, o rei dos elfos, o imperador Emyr, entre outros.
No último livro, como já se é esperado, ocorre o grande climax e reunião entre Geralt, Ciri e Yennefer. Mas mesmo depois disso, há ainda muita história para acontecer. É como um epílogo gigantesco que tem algumas partes boas e outras, nem tanto.
O final da saga é estranho. Não posso dizer que gostei muito do final, mas a série como um todo é muito boa. Desde o princípio o autor brinca com diversas lendas de nosso mundo, no último livro, a bola da vez foram as lendas arturianas.
Mesmo com algumas barrigas, a série é muito bem escrita, tem personagens interessantes, bons momentos de suspense e prende a atenção, quase sempre.