Cosplay Hoje
Como está o hobby hoje?
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esquisas, imagens de referência de personagens, metros e mais metros de tecidos, costura, maquiagem, perucas e ensaios, cosplay é uma arte na qual a expressão vem em primeiro lugar, mas atualmente. Cosplay é muito mais do que um hobby. O que era apenas uma forma de manifestar criatividade e amor pelos personagens e mídias representadas começa a ser tratado como um comércio que gera até novos empregos.
Como um dos elementos mais importantes da cultura pop dentro do segmento nerd, o cosplay agora se revela como um disseminador de outras mídias e produtos, sendo um exemplo disto o jogo online chamado League Of Legends, ou LOL, que atrai milhares de jogadores com seu estilo de jogo e personagens esteticamente bem desenvolvidos.
Apesar do crédito do fenômeno vir do jogo, uma grande parcela de sua fama deu-se pelo interesse de cosplayers de todo o mundo de representarem os personagens de LOL em convenções, ensaios fotográficos e nas redes sociais. A propagação e popularização do jogo com ajuda do cosplay criou uma febre mundial de cosplays de LOL, a ponto de pessoas que nunca jogaram uma partida sequer do jogo, fazerem diversos cosplays dos personagens de League of Legends apenas por que estava na moda.
A cosplayer Ana Ferreira é fã dos personagens do jogo, mas não o joga. Ela explica que decide fazer cosplays de personagens de LOL pela estética. "Faço o cosplay por que acho lindos os personagens. Eu não tenho interesse em jogar só entro no jogo para ver os movimentos e poses dos personagens", diz ela. "Quando comecei a gostar do LOL ainda não era tão conhecido assim", destaca a cosplayer e ainda conta que não participa do jogo online por causa dos xingamentos. "Eu já fui xingada lá por isso não jogo."
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» Dihen Fotografia
Ana Ferreira de Nidalee, personagem de League Of Legends. Foto: Antony Evans
O publicitário e pesquisador no campo da cultura contemporânea com ênfase em comunidades de fãs, game studies e economia criativa, que tem League Of Legends como objeto de pesquisa de seu mestrado, Breno Scafura, relaciona a cultura do fã, a expressão através do cosplay e o interesse pelo jogo.
"Na cultura do fã existem diversas práticas que transbordam à relação de consumo e uma delas é o cosplay. A comunidade de League Of Legends é muito atuante em diversos cenários, manifestando a cultura cunhada através de seus signos em uma tipologia abrangente de desdobramentos", coloca Scafura. "Acredito que os fãs são os verdadeiros embaixadores de League of Legends e que suas apropriações do jogo como manifestação cultural fortalecem e convidam novos adeptos ao culto."
Além do cosplay ser encarado como hobby ou uma maneira de se auto promover através do uso de fantasias, ainda existe um aspecto mais novo que vem se estruturando e ganhando forma, os considerados cosplayers profissionais.
Estas figuras públicas que vêm se destacando entre os demais cosplayers, conseguiram notoriedade na comunidade local e mundial, tornando-se referências no universo do cosplay. Para chegar a este patamar, o cosplayer precisa possuir algum tipo de habilidade especial, seja ela uma facilidade de utilizar materiais, carisma, fotografar bem, ser um bom social media, entre outros fatores.
Muitas pessoas continuam fazendo cosplay pelo carinho por determinado personagem e se dedicando ao hobby sem procurar receber nada em troca, como premiações ou ter a intenção de trabalhar com cosplay.
Um exemplo disso são os próprios Conselhos Jedi, organizações que funcionam através da vontade de fãs em projetar sua paixão pela obra de Star Wars. Quem participa do Conselho e faz cosplay não é encorajado a lucrar com as fantasias e sim de perpetuar o sentimento de fã. No vídeo abaixo membros do Conselho Jedi da Bahia explicam como funciona essa relação do participante com o cosplay dentro do grupo.
Amor pelo hobby
A técnica em prótese dentária Ana Luísa Sampaio Mattos Simas, de 31 anos é uma dessas cosplayers que vivem o hobby pela diversão e já está inserida neste universo há mais de 10 anos. Simas conta como enxerga o cenário e participa da comunidade.
"Sempre encarei como um hobby, uma forma de me divertir e de estar com amigos que curtem as mesmas coisas que eu”, explica ela. “Para mim o cosplay é um meio de conhecer pessoas novas, desenvolver novas habilidades, vencer a timidez, aprender a me amar do jeito que eu sou, ou seja, de melhorar em tudo.”
A prática também pode ser usada tanto para diversão quanto para fugir da rotina, como conta o cosplayer Miguel Mário, que tem no cosplay seu momento de lazer. “Como a maioria de nós, somos praticamente engolidos pelo sistema, forçados a trabalhar para viver, ser cosplayer é minha fuga do "mundo real" e não pretendo ganhar nada com isso. No momento que eu fizer isso, deixará de ser diversão para ser obrigação”, coloca Mário.
Já a cosplayer Giovana Augusta, que conheceu o cosplay em 2007, no começo via a prática apenas como um hobby, e utilizou-se dele para expressar sua criatividade. Mas em 2010, ela competiu pela primeira vez em um concurso específico de cosplay em um evento e, a partir desta experiência, percebeu que queria continuar com as competições e que queria alcançar mais conquistas e crescer como cosplayer.
“Depois que eu criei minha página no Facebook e recebi o feedback do meu trabalho e entendi que era sim possível fazer desse hobby algo mais significativo na minha vida. Além de eventos e competições Eu posso abertamente dizer que uso meu hobby pra obter "fama". Mas tenho orgulho de dizer que faço isso de uma maneira saudável. O que não é regra no cenário. Faço um esforço pra ser reconhecida pela qualidade do meu trabalho e pela minha personalidade”, expõe Augusta.
E ainda completa “Mas eu seria hipócrita em dizer que eu só faço cosplay do personagem que eu sou apaixonada. Por que eu já passei da marca das 20 roupas. Se a pessoa que comprar qualquer um pra usar é problema dela. Se tem quem compre, é porque tem quem venda. Só acho que isso influi muito na hora de ser competitivo. Nossos concursos cosplays ainda são muito amadores em deixar gente que tem roupa comprada competir e ganhar. Mas isso é só minha opinião.”
Augusta se refere a pessoas que utilizam o cosplay como um comércio de troca de fantasias, utilizando o cosplay e imediatamente vendendo e adquirindo outro. Essas negociações acontecem principalmente em grupos de venda e troca no Facebook e é comum encontrar anúncios de procura ou venda de cosplays aleatórios, como podemos observar no exemplo abaixo.
O interesse em usar uma fantasia é visível e a escolha feita a partir de interesses diversos. O cosplay nasceu do amor pelos personagens de mídias adoradas pelos fãs, então é possível levantar uma questão sobre esse crescente comércio envolvendo cosplay. O ciclo de comprar um cosplay pronto apenas para usá-lo em um evento, revendê-lo após o uso e comprar outra fantasia em seguida também pode ser considerado como o hobby do cosplay?
Comércio Cosplay
O profissional de TI e cosplayer, Moabi Arthur Oliveira Souza, de 23 anos, acredita que independente da roupa ser comprada, ou feita pela própria pessoa, continua sendo hobby. “O cosplay esta voltado para a caracterização e a interpretação do personagem, a parte de apego pelo traje confeccionado varia de pessoa para pessoa, como se fosse uma opinião própria”, explica ele.
"De certa forma acho que essa pratica é bem eficaz, já que cosplays são caros para confeccionar, do mesmo jeito que alguns vendem para comprar outro, outros fazem troca entre cosplays atribuídos como de mesmo preço, acho isso legal, mesmo não tendo coragem nem interesse de fazer com os meus.”
Andressa Souza, estudante de psicologia, de 21 anos, destaca aparição das mídias sociais que facilitaram o processo de negociação, “Eu acho que o hobby está passando por uma mudança na prática. Antes não tinha tanta movimentação e acesso fácil e os grupos de venda meio que trouxeram essa nova possibilidade”, pondera Souza. “Para mim continua sendo cosplay.”
Ana Luísa Simas com cosplay de Sora de Kingdom Hearts, Tatiana Dantas com cosplay de Cammy de Street Fighter e Andressa Souza com cosplay de Hinata de Naruto. Fotos: Dihen FotografiaJá a Tatiana Dantas, designer de moda e interiores, e a Luar Oliveira acreditam que ao comprar o cosplay perde-se uma parte importante do processo que é confecção e compra de partes do traje. “Acho que uma das partes interessantes de se fazer o cosplay é você ter que procurar cada coisa que será usada, ao comprar pronto, a pessoa perde essa parte”, coloca Oliveira. “Para mim só estão desfrutando de metade ou menos do que é o cosplay, mas se fazem isso é porque não gostam da parte de criação e desenvolvimento, para que fazer não é verdade? expõe Dantas. E completa, “O que importa é que estão aproveitando o hobby”.
Sendo comprado pronto ou feito pelo próprio cosplayer, tendo apego ou não pelo personagem, o que vale é a diversão, segundo os cosplayers acima. O importante quanto à prática do hobby é vestir o cosplay e aproveitar os eventos ou fotos com a fantasia escolhida, mas também procurar conhecer o personagem, como frisaram alguns dos entrevistados.
“Ninguém tem obrigação de saber fazer as peças. Muitas vezes a pessoa não tem habilidades artesanais pra fazer por si, então não há nada de errado em mandar outra pessoa fazer. Contanto que a pessoa saiba sobre e goste do personagem e se divirta com isso, tudo é válido”, finaliza a jornalista Yasmin Menezes, de 25 anos.
Veja abaixo a entrevista com cosplayers de Salvador sobre a possibilidade de trabalhar com o hobby. A pergunta foi feita enquanto a câmera já gravava para captar as reações e logo em seguida as respostas para o questionamento: Como você se sentiria se pudesse trabalhar somente com cosplay?
Além do hobby
E já existem cosplayers profissionais? Sim, algumas pessoas alcançaram um patamar que vai além do hobby e encaram o cosplay como uma espécie de profissão. Não existe nada regulamentado ou fórmula para atingir o sucesso. Mas estes cosplayers se empenharam em suas especialidades e viraram referências, incentivando novatos e veteranos a persistirem com cosplay.
Mas não é simples se manter como cosplayer profissional, pois é preciso apresentar uma nova fantasia constantemente e estar atualizado com as novas tendências de animes, quadrinhos, cinema, seriados e jogos para satisfazer não só os seus gostos pessoais, como também os pedidos dos fãs.
Um exemplo disso é a cosplayer, cosmaker e propmaker norte-americana Yaya Han, que é convidada para diversas convenções, morando praticamente em hotéis e construindo suas fantasias neste meio tempo para sempre ter material novo.
Escute aqui a entrevista feita com a cosplayer na Comic Con Experience em São Paulo em dezembro de 2016:
Yaya Han, além de ser uma personalidade, faz e participa de todo o processo do seu cosplay e também possui uma loja onde vende produtos confeccionados por sua equipe. Mesmo durante os eventos, a cosplayer não para em um só lugar, faz assinaturas, fotos, dá entrevistas, circula pelo evento, mantendo seu cosplay e tratamento com o público impecável.
"Atualmente cosplay é mais do que o meu hobby, é o meu negócio", disse Han em entrevista publicada no livro Cosplay World, de Brian Ashcraft e Luke Plunkett. "Eu preciso considerar coisas como a transportabilidade para convenções no exterior, clima e calor."
Isso porque Han viaja para convenções ao redor do mundo, fazendo aparições como convidada, dando entrevistas e julgando concursos cosplays, por isso seus trajes precisam ser bem pensados e planejados para estas viagens. Segundo os próprios autores do livro, “Han é uma das primeiras cosplayers a tornar seu hobby em um trabalho com sucesso. Ela ainda faz suas próprias fantasias, e trabalha duro para fazer cosplays com alta qualidade.”
Outra forma de fazer do cosplay um negócio, ou conseguir se sustentar do antes hobby, é ensinar técnicas de como fazer partes ou toda a fantasia. A cosplayer alemã Kamui observa que está muito mais fácil fazer cosplay na atualidade, já que existem tutoriais que ensinam tudo que é preciso saber. E, se aproveitando dessa onda de tutoriais, Kamui possui nove livros publicados ensinando a construir armaduras.
O propmaker e professor de história Uilton Santos é de Salvador e tem se dedicado a produzir peças por encomendas para cosplayers. Santos conta que o mercado no nordeste vem crescendo e que pessoas têm buscado melhorar a qualidade de suas fantasias através da compra de peças feitas por artesãos. “Tenho a política de realizar um pedido por no mês”, revela o propmaker. “Existe encomenda que podemos realizar em 30 dias, outras irão superar este prazo. Algumas armaduras podem ser concluídas até 90 dias. Como o trabalho é artesanal não há como precisar quantidades anuais como uma fabrica.”
Santos ainda conta que se dedicaria à profissão completamente se o mercado estivesse mais movimentado. “Amo o que faço. Não me sinto cansado nem desanimado quando realizo esses serviços. Não importa se quase não consegui dormir ou passei do horário de comer. Acabo por não sentir. É como se estivesse em uma bolha.”
Uilton Santos apostou nas mídias sociais como Facebook e Whatsapp para promover seu trabalho como propmaker, mas revela que nada supera o ‘boca a boca’, “A indicação é muito importante no nosso ramo”, completa ele.
Existem várias opções dentro da comunidade cosplay de se trabalhar com o hobby, o fotógrafo Antony Santos Silva, também de Salvador, adora trabalhar fotografando cosplayers também fantasiado. Ao ser questionado sobre a sobrevivência dentro do ramo, responde “Infelizmente não é possível viver apenas de fotografia cosplay aqui em Salvador. O fluxo de contratação é muito baixo, mesmo eu sendo um dos únicos que atua profissionalmente no meio aqui na cidade.”
Silva comenta sobre a preocupação dos cosplayers soteropolitanos com autopromoção e marketing pessoal. “Ao contrário de locais como Rio de Janeiro e São Paulo, onde os cosplayers buscam fotografias profissionais para gerar conteúdo para suas páginas, aqui em Salvador os cosplayers não se preocupam tanto com essa parte do marketing pessoal. Eles acabam se conformando apenas com as fotos que recebem dos eventos independente do fotógrafo ou da qualidade que elas tenham”, explica ele.
Já existem alguns profissionais na área de fotografia e filmagem que possuem agendas movimentadas e produzem muito conteúdo junto aos cosplayers. Um exemplo disso é o fotógrafo Willian Dobler Mendes, de 32 anos, que trabalha com a cena cosplay de São Paulo e começou fotografando por hobby nos finais de semana.
“Após muito estudo faço isso profissionalmente. Mas ainda não dá para viver apenas de foto cosplay, você consegue no máximo um reforço no orçamento do mês”, explica Mendes.
O profissional ainda comenta sobre o mercado dentro do segmento de eventos de cosplay. “Eventos de animes ainda são muito poucos os que contratam fotógrafos, mas isto está crescendo”, revela Mendes. “Ensaios pagos com cosplayers também estão crescendo nesses últimos tempos, mas ainda é uma parcela pequena que realmente valoriza o trabalho dos fotógrafos”. Mas revela-se otimista com o cenário “Acredito que em breve essa realidade mudará.”
Cosplayers como Kamui e Yaya Han, dentre outros profissionais do ramo, encontraram uma maneira de não só sobreviver através do hobby, mas como trabalhar e empregar pessoas que produzem materiais voltados para o universo do cosplay.
Mas de que maneira exatamente os cosplayers lucram com a prática? As mídias sociais proporcionaram o surgimento e importante evolução dos cosplayers que passaram do hobby para profissão. É por causa delas que grandes personalidades surgiram e muitas buscam seu espaço para expor seus trabalhos.